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Definição do recurso cabível contra sentença em sede de execução fiscal

Por Gabriel Somma Quaresma de Oliveira e Leonel Silva Bertino Algebaile

Este artigo aborda tema bem específico, que muitas vezes passa despercebido durante a graduação em Direito, e objetiva esclarecer o recurso cabível em face de sentença proferida em sede de execução fiscal, bem como distinguir a situação de cumulação de execuções e cumulação de débitos ou de CDAs (Certidão de Dívida Ativa).

Muito bem. Da sentença cabe apelação”. Essa é a regra prevista no caput do artigo 1.009 do Código de Processo Civil que, obviamente, comporta exceções no ordenamento jurídico. Dentre elas, tem-se o disposto no artigo 34 da Lei das Execuções Fiscais, qual seja, a Lei 6.830/80. Eis o dispositivo:

“Artigo 34 – Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), só se admitirão embargos infringentes e de declaração.
§1º – Para os efeitos deste artigo considerar-se-á o valor da dívida monetariamente atualizado e acrescido de multa e juros de mora e de mais encargos legais, na data da distribuição.
§2º – Os embargos infringentes, instruídos, ou não, com documentos novos, serão deduzidos, no prazo de dez dias perante o mesmo Juízo, em petição fundamentada.
§3º – Ouvido o embargado, no prazo de dez dias, serão os autos conclusos ao Juiz, que, dentro de 20 dias, os rejeitará ou reformará a sentença.”

Logo, nas execuções fiscais, é possível que “da sentença não caiba apelação” e, uma dessas hipóteses, será quando o valor da execução fiscal na qual foi prolatada a sentença for igual ou inferior a 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). Nesse caso, o único recurso cabível, para além dos aclaratórios (sempre cabíveis para sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro material), será o de embargos infringentes, por vezes denominado, na prática, como embargos infringentes “de alçada” ou ainda “embarguinhos”.

Deve-se, neste momento, explicitar a forma de cálculo do valor de alçada para fins de definição do recurso a ser apresentado contra sentença proferida na execução fiscal, uma vez que a legislação fala em 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), o que não se define tão facilmente. Para esta definição, traz-se à baila um famoso julgado, sempre mencionado nas decisões envolvendo este tema, da relatoria do ministro Luiz Fux, ainda no Superior Tribunal de Justiça, cujo julgamento foi sujeito ao regime dos recursos repetitivos. Trata-se do REsp. 1.168.625/MG:

“[…] é cabível apelação das execuções fiscais nas hipóteses em que o valor exceda, na data da propositura da ação, 50 ORTNs (valor de alçada). […] o valor de alçada deve ser encontrado a partir da interpretação da norma que extinguiu o índice e o substituiu por outro, mantendo-se a paridade das unidades de referência, sem efetuar a conversão para moeda corrente a fim de evitar a perda do valor aquisitivo. Assim, 50 ORTN = 50 OTN = 308,50 BTN = 308,50 UFIR = R$ 328,27 a partir de janeiro/2001, quando foi extinta a UFIR e desindexada a economia. Dessa forma, o valor de alçada deve ser auferido, observada a paridade com a ORTN, no momento da propositura da execução, levando em conta o valor da causa. […] o índice substitutivo utilizado para a atualização monetária dos créditos do contribuinte com a Fazenda passa a ser o IPCA-E, divulgado pelo IBGE (resolução nº 242/2001-CJF). Precedentes citados: […] (STJ. REsp 1.168.625-MG, relator ministro Luiz Fux, , PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2010, DJe 01/07/2010. Informativo 438).”

Apesar de no corpo do voto do ministro Luiz Fux vir uma tabela com os valores de alçada corrigidos até maio de 2010 (quantificação em reais das 50 ORTN), revela-se válida a utilização da calculadora de correção do Banco Central, aplicando-se o IPCA-e, de janeiro de 2001 até a data da distribuição da execução fiscal, onde se obtém o valor atual de R$ 1.260,66 (valor corrigido para dezembro de 2022). Ressalte-se, ainda, que o valor que deve ser analisado para fins de definição da alçada e, consequentemente, do recurso a ser apresentado, é o da execução fiscal.

Aliás, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que, ainda que haja reunião de execuções fiscais, o valor da alçada a ser considerado será o de cada processo de execução fiscal. Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÕES FISCAIS AJUIZADAS ISOLADAMENTE CONTRA A MESMA DEVEDORA. […] I – A Fazenda Pública do Estado de São Paulo ajuizou dez execuções fiscais contra a ora recorrente, a qual apresentou uma dezena de embargos de devedor. O juiz de primeiro grau determinou o processamento de tão-somente um dos embargos, englobando todas as execuções fiscais. Depois, julgou improcedentes, numa mesma sentença, todos os embargos as execuções. Inconformada, a ora recorrente interpôs apelação, a qual não foi conhecida pelo TJSP, ao fundamento de que não cabe apelação nos processos executivos fiscais de valor igual ou inferior a 50 ORTN’s. não se dando por vencida, a executada recorre de especial.
II – Apesar de reunidos os embargos, as execuções fiscais e julgados na mesma sentença, não se somam os valores de cada ação para o efeito da alçada do artigo 34 da Lei de Execução Fiscal. Não há que se falar em “apelação”, se todas as ações tem valor inferior a alçada recursal. […]”. (REsp nº 36.479/SP, relator ministro Adhemar Maciel, DJ de 24.3.1997).

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR DA CAUSA PARA FIXAÇÃO DA ALÇADA. SOMATÓRIO DAS EXECUÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO.

1. O STJ tem posicionamento de que não é possível, para fixação da alçada, somar o valor das execuções reunidas em um só feito. Deve-se considerar cada ação isoladamente. 2. O valor da causa, na execução fiscal, será o da dívida monetariamente atualizada e acrescido de multa, juros de mora e demais encargos legais, na data da distribuição.[…]”. (Resp 259387/SP. Segunda Turma. Ministro João Otávio de Noronha. Julgamento: 17/11/2005).

“PROCESSUAL CIVIL  REUNIÃO DE AÇÕES — VALOR PARA EFEITO DE ALÇADA. Na determinação da alçada deve-se considerar cada ação de execução e não a somatória dos valores de diversas execuções reunidas. Embargos rejeitados”. (EResp 36479/SP. Primeira Seção. Ministro Garcia Vieira. Julgamento: 9/12/1998).

“Com efeito, esses julgados do STJ colacionados deixam claro que o que não é possível é ‘somar o valor das execuções reunidas em um só feito’. Outrossim, dizem: ‘Deve-se considerar cada ação isoladamente’; “Na determinação da alçada deve-se considerar cada ação de execução e não a somatória dos valores de diversas execuções reunidas”. Fica muito claro que o entendimento da Egrégia Corte Superior é aplicável no caso de reunião de execuções fiscais, nos termos do artigo 28, Lei 6.830/80 — Lei de Execuções Fiscais (LEF):

“Artigo 28 – O Juiz, a requerimento das partes, poderá, por conveniência da unidade da garantia da execução, ordenar a reunião de processos contra o mesmo devedor.”

Essa reunião de execuções fiscais é totalmente distinta da reunião de créditos de “anos” numa mesma Certidão de Dívida Ativa (CDA) ou ainda reunião de CDAs em única execução fiscal. Validamente, havendo reunião de créditos de vários anos em uma mesma CDA, ou ainda, várias CDAs para execução fiscal única, o valor a ser considerado ainda é o da execução fiscal.

O tema aqui abordado tem grande relevância prática na advocacia pública e a situação já foi enfrentada pela Procuradoria-Geral do Município de Japeri/RJ. Explica-se. Em 2017, foi realizado cuidadoso trabalho no âmbito da Procuradoria-Geral na interposição de recursos (já explicado no artigo publicado Prescrição decretada de ofício e contraditório: um IRDR no âmbito do TJ-RJ, inclusive com atenção na definição do cabimento da apelação ou dos embargos infringentes.

Apesar de muitas apelações serem conhecidas e providas ou desprovidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça, algumas decisões não conheciam o recurso de apelação, por entender cabível no caso os embargos infringentes, levando em consideração o valor do IPTU de cada ano/exercício, mas constante da mesma Certidão de Dívida Ativa e, portanto, execução fiscal única.

Então, face à violação frontal aos artigos art. 34, Lei 6.830/80 e 1.009, CPC, bem como à afronta a precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o Município logrou êxito em levar a questão ao Superior Tribunal de Justiça, por meio da interposição de Recursos Especiais, com fulcro no artigo 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal.

A questão jurídica levada ao STJ, em inúmeros apelos nobres, era simples: se a reunião de diversos débitos (por exemplo, quatro exercícios de IPTU) em única Certidão de Dívida Ativa (CDA) (única execução fiscal) é considerada reunião “de execuções fiscais” para definição da alçada prevista no artigo 34, Lei 6.830/80 a levar em consideração o valor de cada exercício para se determinar o recurso que combaterá a sentença, se apelação (artigo 1.009, CPC) ou embargos infringentes (artigo 34, Lei 6.830/80).

Tais interposições apresentaram resultados favoráveis ao recorrente. Por exemplo, cite-se o REsp 1.859.231/RJ, no qual a Segunda Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Ministro-Relator Antônio Herman Benjamin. Eis a ementa do julgado:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. APELAÇÃO. VIA ADEQUADA. CDA QUE ABRANGE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DE EXERCÍCIOS DISTINTOS RELATIVOS AO MESMO TRIBUTO. EXECUÇÃO ÚNICA. VALOR DE ALÇADA QUE DEVE SER APURADO COM BASE NO NÚMERO DE EXECUÇÕES E NÃO NO DE EXERCÍCIOS DESCRITOS NA CDA. APELAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA VIA RECURSAL.
1. Não cabe Apelação em execuções fiscais cujo valor for igual ou inferior a 50 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), mas sim Embargos Infringentes.
2. O Superior Tribunal de Justiça entende que a apuração do valor de alçada deve considerar a quantia cobrada em cada processo de execução, não sendo admissível a reunião de diversos processos para se alcançar tal valor.
3. O caso dos autos não trata de reunião de execuções, como entendeu equivocadamente o aresto vergastado. O que existe é uma Certidão de Dívida Ativa (CDA) que abrange mais de um exercício do mesmo tributo, o que não a desnatura como execução única.
4. Não é razoável exigir que a Fazenda inscreva cada exercício do mesmo tributo em uma CDA distinta, considerando-se a economicidade e eficiência na busca da satisfação do crédito tributário.
5. Recurso Especial provido”. (REsp 1.859.231/RJ. Segunda Turma. Min. Herman Benjamin. DJE 12/03/2020).

Já no REsp 1.853.136/RJa excelentíssima ministra Assusete Magalhães decidiu monocraticamente pelo provimento do recurso. Pede-se vênia para transcrever a clareza da decisão:

“Trata-se de Recurso Especial, interposto pelo MUNICÍPIO DE JAPERI, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado o Rio de Janeiro, assim ementado:
[…]
A irresignação merece prosperar.
É certo que a jurisprudência do STJ tem entendimento no sentido de que, ‘na determinação da alçada deve-se considerar cada ação de execução e não a somatória dos valores de diversas execuções reunidas’ (EREsp 36.479/SP, relator ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/03/1999, p. 76). De fato, ‘o STJ tem posicionamento de que não é possível, para fixação da alçada, somar o valor das execuções reunidas em um só feito. Deve-se considerar cada ação isoladamente’ (REsp 259.387/SP, relator ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJ de 19/12/2005, p. 297).

No entanto, o caso dos autos é diverso.

A presente controvérsia diz respeito a qual critério a ser considerado para aferição do valor de alçada: se o valor da execução (valor da causa) ou se cada crédito tributário isoladamente considerado, ainda que cobrados por meio de um único processo de execução.

Com efeito, a jurisprudência dessa Corte é firme no sentido de que o valor da alçada deve ser aferido no momento da propositura da execução, levando-se em conta o valor da causa.

Nesse sentido:

“[…] Nos termos do artigo 34, §1º, da Lei de Execuções Fiscais, o cotejo entre os valores de alçada e da execução, para fins de determinação do cabimento ou não do recurso de apelação, deve ser realizado no momento da propositura da ação executiva. […]”
In casu, o acórdão recorrido expressamente consignou que ‘na hipótese dos autos, a presente execução fiscal foi distribuída no ano de 2007, objetivando o recebimento de crédito tributário de IPTU dos anos de 2003 (R$ 116,25), 2004 (R$ 115,76), 2005 (R$ 82,56) e 2006 (R$ 82,56)’ (fl. 67e).
Nesse contexto, é imperiosa a reforma do acórdão recorrido, tendo em vista que o valor da execução, no momento da propositura da execução, ultrapassa o valor de alçada, sendo cabível, portanto, o recurso de Apelação então interposto pela recorrente.
Destarte, aplica-se, ao caso, entendimento consolidado na Súmula 568/STJ, in verbis: ‘O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema’.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 255, §4º, III, do RISTJ, dou provimento ao Recurso Especial, a fim de declarar cabível o recurso de Apelação, na hipótese. […]
(REsp 1853136/RJ. Segunda Turma. ministra Assusete Magalhães. DJE 12/03/2020)”.

No total, foram mais de 90 provimentos de recursos especiais, decididos tanto no âmbito da 1ª quanto no da 2ª Turma do STJ, determinando o conhecimento pelo tribunal de origem da apelação corretamente interposta pelo município.

Em conclusão, extrai-se a importância de observar o valor da execução para fins de determinação do recurso cabível contra a sentença proferida em sede de execução fiscal e, para além disso, deve-se ter ciência de como calcular o valor previsto na legislação (50 ORTN que, em dezembro de 2022, corresponde a R$ 1.260,66) e, ainda, estar atento à distinção entre cumulação de execuções e cumulação de créditos em única execução fiscal.


 é advogado, procurador municipal, professor da Emerj (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), mestrando em Direito pela Unesa (Universidade Estácio de Sá), especialista em Direito Público e Privado pela Emerj, especialista em Direito Administrativo pela Ucam (Universidade Cândido Mendes), membro do Cejur (Centro de Estudos Jurídicos da PGM Japeri-RJ) e presidente da Comissão Especial de Direito do Estado e Advocacia Pública da 1ª Subseção da OAB-RJ.

 é advogado, procurador municipal, mestrando em Direito pela Unesa (Universidade Estácio de Sá), especialista em Direito Público pela UCP (Universidade Católica de Petrópolis), presidente do Cejur (Centro de Estudos Jurídicos da PGM Japeri-RJ) e membro da Comissão Especial de Direito do Estado e Advocacia Pública da 1ª Subseção da OAB-RJ.


Fonte: 

https://www.conjur.com.br/2023-jan-27/leonel-algebaile-apelacao-ou-embargos-infringentes

https://www.migalhas.com.br/depeso/380343/recurso-cabivel-contra-sentenca-proferida-em-sede-de-execucao-fiscal?s=WA

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